Os Fundamentos para a Interpretação
Objetivo da hermenêutica: é a determinação adequada do que Deus disse nas Escrituras, a determinação do significado da Palavra de Deus.
O fundamento para se alcançar este objetivo é a construção de uma “ponte” entre as nossas mentes e as mentes dos escritores bíblicos.
Esta “ponte” é a compreensão do que Deus quis dizer com o que Ele falou.
Esta “ponte” tem basicamente quatro aspectos:
- A ponte Lingüística;
- A ponte Cultural;
- A ponte Geográfica;
- A ponte Histórica;
A Ponte Lingüística
Problema: temos aqui um problema. A Bíblia foi escrita em 3 línguas que não são mais usadas (hebraico antigo, caldeu, grego koine).
Solução: a forma de construirmos esta ponte é estudarmos lingüística (“a ciência das línguas, da origem, do significado e da aplicação das palavras”).
Isto envolve o estudo de três áreas básicas: vocabulário, gramática e gênero.
1.1.1 VOCABULÁRIO
Para compreendermos uma sentença é necessário compreendermos as palavras que constituem esta sentença. Há quatro aspectos desta tarefa.
a. O estudo ETIMOLÓGICO de uma palavra – A tentativa de compreendermos uma palavra examinando-se a sua origem, derivação, formação e histórico. (Ex: a palavra grega traduzida por “obediência”, HUPAKOE, origina-se de duas palavras gregas: HUPO = “sob” e AKOUO = “ouvir”. Assim sendo, a obediência é um “ouvir sob”).
b. O estudo COMPARATIVO de uma palavra – A tentativa de se compreender uma palavra pelo estudo de todas as suas ocorrências nas Escrituras. Isto pode ser feito adequadamente tomando-se uma palavra grega ou hebraica e, não somente a tradução em nossa língua, mas observando-se todos os seus usos nas Escrituras. (Ex: a palavra grega DIAKRINO é traduzida como: “discernir, duvidar, hesitar, ser parcial, fazer uma diferença”).
c. O estudo CULTURAL de uma palavra – A tentativa de se compreender uma palavra, confirmando-se o seu significado cultural original. Isto envolve o sentido literal da palavra com o seu significado básico, costumeiro e social. (Ex: a palavra “adoção” nos tempos modernos se refere a transferência de uma criança de uma família para outra; mas, na cultura hebraica, ela se refere a uma criança que atingiu uma certa idade e maturidade em sua própria família).
d. O estudo de uma palavra nas LÍNGUAS COGNATAS – A tentativa de se compreender uma palavra investigando-se os seus equivalentes nas línguas semelhantes. (Ex: as palavras equivalentes no aramaico podem ajudar a esclarecer o hebraico, pois as duas línguas são bastante semelhantes).
1.1.2. GRAMÁTICA:
Para se compreender uma sentença não basta somente definir-se as suas palavras, mas é também essencial compreender-se o papel que cada palavra desempenha na sentença. Isto nos leva a um estudo dos princípios gerais e regras específicas para a escrita das línguas da Bíblia. O estudo do vocabulário fornece as partes, ao passo que o estudo da gramática fornece as regras para se juntar essas partes num todo.
- No estudo da gramática, logo se torna evidente que as línguas são estruturalmente diferentes.
- Em outras palavras, as suas sentenças e parágrafos são formados de maneiras diferentes.
- As línguas têm duas estruturas básicas, ou uma combinação das duas:
a. Línguas analíticas – Onde a ordem das palavras numa sentença determina o papel que cada palavra tem na sentença. (Ex: se a palavra é o sujeito, objeto direto ou indireto). O hebraico e o português são línguas analíticas (enfatizam a ordem das palavras).
b. Línguas sintéticas – Onde o final da palavra determina o papel que ela tem na sentença. O grego é uma língua sintética, pois enfatiza o sufixo da palavra (Ex: ANTHROPOS = um homem (sujeito); ANTHROPO = um homem (objeto indireto); ANTHROPON = um homem (Objeto direto)).
Em suma, não podemos enfatizar demais a importância do estudo do vocabulário e da gramática para chegarmos a uma exegese adequada. Os estudos de palavras são insuficientes se não houver uma consideração da gramática para fazer uma interpretação correta.
1.1.3. GÊNERO:
Para compreendermos algo que foi escrito, o seu gênero (tipo ou estilo) literário precisa ser determinado primeiramente. É o gênero da passagem ou livro que determina o modo pelo qual o resto da passagem ou livro é considerado.
O gênero literário pode ser ilustrado por 3 círculos concêntricos:
a. Estilo literário – Quando um livro da Bíblia é abordado, o primeiro passo na sua interpretação é determinar o seu estilo literário (Ex: se é histórico, poético, apocalíptico ou profético).
b. Expressão literária – Dentro de qualquer estilo literário pode haver passagens que utilizem formas incomuns de expressão literária (Ex: parábolas, alegorias, salmos e enigmas).
c. Figuras de linguagem – Dentro de qualquer estilo ou expressão literária pode ocorrer uma figura de linguagem, ou seja, uma frase ou sentença em que o autor se expressa usando palavras de uma forma diferente do seu uso normal (Ex: metáforas, símiles e expressões idiomáticas).
Assim como o vocabulário não deveria ser considerado independentemente da
gramática, assim também o vocabulário e a gramática não deveriam ser considerados independentemente do gênero literário na solução do problema da parte lingüística.
Ferramentas: Concordâncias do grego e do hebraico, dicionários de palavras, sinônimos, sintaxe, livros de gramática do grego, hebraico, etc.
A Ponte Cultural
Problema: os contextos culturais dos escritores bíblicos diferem tremendamente do contexto cultural do leitor dos tempos modernos.
Solução: esta ponte cultural pode ser feita estudando-se as culturas em que os autores bíblicos viviam. No entanto, a solução para este problema fica ainda mais complexa pelo fato de que os diferentes escritores viviam em cenários culturais diferentes entre si.
À medida que os séculos se passaram, o povo de Deus foi influenciado culturalmente pelos egípcios, fenícios, assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos.
Por “cultura” queremos dizer as maneiras e meios, tanto materiais como sociais, pelos quais um determinado povo vive a sua vida cotidiana.
A ponte cultural, em seu sentido mais amplo, certamente incluiria a ponte linguística, a ponte histórica e a ponte geográfica. Porém, segundo o propósito deste esboço, utilizaremos a ponte cultural num sentido muito mais restrito.
O estudo das culturas bíblicas pode ser dividido em duas classificações principais: Cultura material e Cultura Social.
Cultura Material:
- Para compreendermos a sociedade é necessário estudarmos as características e expressões materiais desta sociedade.
- Isto inclui uma consideração de coisas como suas habitações, utensílios de cozinha, comida, vestuário, implementos agrícolas, armamentos, meios de transporte, animais, formas de arte e artigos religiosos.
- Exemplo: é impossível interpretarmos Jr 2:3 sem uma compreensão do que uma “cisterna” representava naquele contexto cultural.
Cultura Social:
- A fim de compreendermos uma sociedade é também necessário explorarmos a maneira pela qual as coisas são feitas e a forma pela qual as pessoas desta sociedade se relacionam entre si.
- Isto incluiria áreas como o seu estilo de vida, onde vivem geograficamente, a sua adoração, recreação, vestuário, agricultura, alimentação, costumes das famílias, práticas econômicas, leis civis, procedimentos legais, táticas militares, etc.
- Exemplo: em Gn 29:26, vemos que Jacó não teria sido enganado se estivesse familiarizado com os costumes referentes ao casamento na terra de Naor; é impossível interpretarmos adequadamente 1Pe 5:4 sem uma compreensão de como o “sumo pastor” agia naqueles dias.
Ferramentas: Livros sobre arqueologia, costumes bíblicos, enciclopédias e dicionários bíblicos.
A Ponte Geográfica
Problema: o contexto geográfico dos escritores bíblicos é diferente do nosso.
Solução: esta ponte geográfica pode ser feita por um estudo do cenário geográfico em que os eventos e escritos bíblicos ocorreram. Este problema é acentuado, no entanto, pelo fato de que os próprios escritores viveram em contextos geográficos diferentes
Exemplo: Paulo em Roma, Daniel na Babilônia e Moisés no deserto.
O problema fica ainda mais complicado pelo fato de que alguns lugares mencionados nos antigos escritos não existem mais ou não têm mais o mesmo nome. As respostas a estes problemas podem ser encontradas somente com o uso da pá da arqueologia.
Isto envolve o estudo em 3 áreas gerais:
Geografia Política:
- Para ficarmos familiarizados com as cidades, estados e nações mencionados pelos autores bíblicos, dependemos das pesquisas do arqueólogo.
- Não dependemos necessariamente do arqueólogo para substanciarmos a existência de fatos com relação a um determinado local que nos ajudam em nossa interpretação
- Exemplos: seria impossível compreendermos a fuga de Elias do Carmelo a Jezreel em 1Rs 18:42-46 sem conhecermos estas localidades e a distância entre elas; as evidências arqueológicas ajudaram grandemente a compreensão de Is 44:27 a 45:2 com relação à queda da Babilônia.
Geografia Arqueológica:
- Para compreendermos as referencias ao clima, formações topográficas, mares e rios, dependemos, em parte, das evidências arqueológicas e, em parte, de mapas, descrições por escrito, fotografias e viagens modernas.
- Um problema nesta área é que, muito embora as características físicas do Oriente Médio não tenham mudado drasticamente desde os dias em que os fatos bíblicos ocorreram, em alguns casos os seus nomes mudaram. Ex: Sl 125:2 e Is 2:2 serão apreciados muito mais quando a topografia da região ao redor de Jerusalém for considerada; a importância de 2Rs 5:10,12 será realçada pela consideração de rios mencionados.
Geografia Botânica e Zoológica:
- Para compreendermos as alusões à vida animal e vegetal dos autores bíblicos, dependemos da arqueologia e da ciência moderna para relacionarmos os termos antigos com as plantas e animais conhecidos atualmente e para estudarmos as suas características e padrões de comportamento
- Exemplos: não poderíamos interpretar eficientemente Pv 30:19-31 ou Lc 13:32 sem uma compreensão da natureza, hábitos e instintos das criaturas mencionadas aqui; um estudo da botânica bíblica revela a beleza de Cantares de Salomão 2:1-3.
Ferramentas: Atlas bíblicos, livros sobre a geografia e história das terras bíblicas, livros sobre os animais da Bíblia.
A Ponte Histórica
Problema: o contexto histórico dos escritores bíblicos difere muito do nosso.
Solução: familiarizarmo-nos com o cenário histórico dos eventos da Bíblia e dos autores bíblicos. Isto se torna ainda mais complicado pelo fato de que os escritores viveram num período de 1600 anos, de Moisés a João, numa situação mundial em constante transição.
Em cada fase da história, a situação mundial precisa ser considerada em 3 aspectos:
Cenário Político:
- Para compreendermos a importância dos eventos e pontos de vista das Escrituras, o cenário político precisa ser considerado. Os governos sucessores têm efeitos diferentes sobre os povos sob seu controle. Assim sendo, as vidas dos indivíduos são definitivamente influenciadas pela ordem política a que pertencem, quer voluntária ou involuntariamente.
- Para interpretar as ações dos personagens e escritores bíblicos, é necessário fazer todo o possível para nos colocarmos mentalmente no meio do ambiente político em questão
- Exemplos: a importância de Os 12:11 somente pode ser compreendida à luz dos relacionamentos políticos entre Efraim, Assíria e Egito; não podemos compreender a razão pela qual os discípulos de Jesus não compreenderam as Suas afirmações em Mt 20:21 e At 1:6 sem reconhecermos as preocupações políticas daquela época.
Cenário Econômico:
- A situação econômica, local ou universal, exerce uma grande influência no estilo de vida dos povos. Isto é evidenciado pela diversidade ou uniformidade das ocupações numa sociedade e da resultante criação das classes ricas e pobres. O intérprete precisa imaginar-se na situação econômica da passagem bíblica que está interpretando
- Exemplo: a riqueza e necessidade econômica da Igreja Primitiva tiveram um papel principal na fusão dos crentes judeus e gentios – At 11:27-29.
Cenário Religioso:
- As sociedades sempre foram grandemente influenciadas pela religião. As vidas dos indivíduos giram em torna, ou pelo menos são afetadas por suas religiões. Em toda a Bíblia, o povo de Deus é visto com relação aos outros grupos religiosos, sendo influenciados por eles ou estando em conflito com eles. Daí surge a necessidade de o intérprete colocar-se no contexto religioso dos escritores e personagens bíblicos
- Exemplos: a importância de Lv 18:9-14 não pode ser compreendida sem uma avaliação das religiões de Canaã; o conflito de Paulo em Éfeso pode somente ser vivificado através de uma pesquisa do contexto religioso da adoração de Diana em Éfeso – At 19:24-41.
Ferramentas: livros de pesquisa sobre a história dos povos bíblicos.
Site está de parabéns
ResponderExcluirGostei muito desse estudo!! Parabéns aos idealizadores!! 👏👏
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